sexta-feira, 25 de abril de 2014

Primeiro Amor

Cidinha, primeiro Amor!

Quanto mais o tempo passa, mais histórias nós temos para contar aos nossos filhos, netos e amigos... Tudo que passamos nesta vida nos serve de inspiração para evocar o passado e suscitar nos leitores os mais ternos sentimentos... Só depende de cada um de nós!

Um dia desses, eu me peguei a pensar em uma história singular e única que me aconteceu em minha cidade natal Araçatuba, cuja lembrança me acompanha desde a infância até os dias de hoje: o doce sorriso de uma menina tímida e muito linda que encantou a minha vida e se tornou o meu primeiro amor. Não um amor banal, mas um amor extremamente terno e verdadeiro: O Primeiro Amor...

Em meu pequeno coraçãozinho de apenas onze anos de idade brotou o mais puro sentimento de amor, não o amor perverso que encontramos por aí, mas um amor tão puro e verdadeiro que se tornou parte do meu ser e cuja simples recordação me lembra de que um dia fui capaz de amar de verdade, com a pureza do amor dos anjos...

Não sabia a idade dela e nem me importava com isso, mas acho que ela devia ter um pouco mais de vivência do que eu, mas isso não fazia a menor diferença. Estar perto dela para mim era tão doce e sublime que me perdia encantado admirando sua boca bem formada e os cachos morenos de seu cabelo sedoso naquele rostinho lindo...

Nós estudávamos na mesma escola, na mesma classe de quarta série primária e ela se sentava bem próximo a mim, perto o suficiente para eu colocar bilhetinhos e às vezes uma fruta debaixo da sua “carteira”... Isso durou bastante tempo... Nossos olhares apenas se cruzavam de vez em quando e se desviavam timidamente... Nunca passou disso e nunca trocamos uma simples palavra sequer que pudesse expressar o que sentíamos... Para mim palavras eram completamente desnecessárias, para ela eu não sei o que passava naquela linda cabecinha de cabelos cacheados que vez ou outra me brindava com o mais lindo sorriso que já vi em toda minha vida...

Eu sempre insistia nos bilhetinhos e ficava sempre à espera de uma resposta que nunca vinha... Escrevia e esperava e nada de resposta... Até que um dia, após o término de todas as provas e já sabendo que havíamos terminado com louvor nosso curso primário, aquela boquinha encantadora me diz num sorriso lindo que jamais esqueci e que nunca esquecerei: “Você deixou cair esse bilhetinho no chão, pega logo...”.

Eu quase caí no chão ao me contorcer todo na cadeira para pegar o papelzinho todo dobrado e eu tinha a certeza de que era a primeira resposta que eu recebia depois de tanto tempo... Quase um ano inteiro... Meu coraçãozinho acelerou... O sinal de fim das aulas tocou... Ela se levantou e foi embora, não sem antes olhar para trás e me lançar aquele lindo sorriso, que mal sabia eu que seria o último sorriso dela que eu veria por quase cinquenta anos...

Eu tinha que sair correndo para encontrar minha irmã que estudava em outra sala da mesma escola e meu severo pai me obrigava a encontra-la na porta da classe antes que ela saísse e ai de mim se não fizesse isso, pois ele sempre ficava sabendo e o “couro do chicote comia solto no meu lombo de criança”...

Enfiei o bilhetinho no bolso do uniforme e corri para a classe de minha irmã, louco de vontade de ler o bilhete dela... Finalmente ela tinha respondido... Até que enfim ela tomou coragem e me deu algum sinal... Felicidade total...

Encontrei minha irmã e nos dirigimos para o portão de saída onde meu pai já nos esperava com a caminhonete azul e branca, pois morávamos na Zona Rural cerca de quinze quilômetros da escola...

Aí a coisa complicou um pouco para mim, pois eu não podia ler aquele bilhete estando ao lado do meu pai... Imagina se ele descobrisse, aí é que meu lombo ia sofrer... Contive minha vontade à custa de muito sacrifício durante toda a viagem para casa...

Chegamos... Desci do carro e abri a porteira... Queria ir andando até a casa grande para poder ler o bilhete, mas meu pai não deixou...

Ao descer do carro, minha mãe me chamou e me deu a maior bronca porque eu me esqueci de dar milho para as galinhas antes de ir para a escola às 05h30 da manhã... Puxou minha orelha, pegou minha sacola de livros e me fez tirar o uniforme ali mesmo onde estava, pois ela queria lavá-lo devido à sujeira que deixei minha roupa ao jogar bola durante o recreio... E como castigo me fez ir correndo, só de cuecas, lavar o chiqueiro dos porcos antes de almoçar...

Meu pai simplesmente se mandou para cuidar dos seus afazeres na fazenda e eu estava à mercê de minha mãe, que eu amava muito, mas naquele momento experimentei o que é sentir ódio de alguém...

Total confusão mental... Inferno total... O BILHETE ESTAVA DENTRO DO UNIFORME que ela ia lavar... E agora?!?

Só me restava ir lavar o chiqueiro e depois tentar falar com a menina dos meus sonhos para saber o que ela havia escrito no bilhete...

De repente, o céu desabou sobre minha cabeça com toda a força de uma tempestade de verão misturada com furacão... Ouvi minha mãe gritar para o nosso empregado: “Toninho, pega aquele moleque desgraçado e traz ele aqui pra mim, AGORAAAAA....

Desesperado com a surra iminente que eu ia levar, eu saltei o muro do chiqueiro e saí correndo pasto afora com toda a velocidade que minhas pequenas pernas podiam alcançar, mas o peão era mais forte e mais rápido...

Ele me alcançou na carreira e feito um bezerro em arena de rodeio ele me laçou com os braços fortes e me jogou no chão e depois me arrastou pelo braço até onde estava minha mãe... Ainda tentei fugir, mas aquelas mãos rústicas e calejadas me seguravam como as tenazes prendem o ferro em brasa em cima da fornalha... Minha mãe xingava e esbravejava: “Anda logo, desgraçado! Traz logo esse moleque aqui! Você não é homem não?

Desespero total... Acostumada a revistar os bolsos do meu uniforme escolar para não se ferir com os pregos, pedras, canivetes e outras porcarias que moleque arteiro carrega nos bolsos, naquele dia ela encontrou e leu o bilhetinho...

Ela simplesmente me fez mastigar e engolir o bilhete sem me dizer o que havia nele e depois disso, xingando muito alguns palavrões que eu nunca tinha ouvido, me deu uma surra homérica digna de qualquer escravo negro fujão antes da Princesa Isabel abolir a escravatura... Enquanto o peão me segurava pelos braços ela me chicoteava com gosto dizendo: “Ah! Então você quer fugir de casa pra casar? Ah! Seu fedelho! Vou te ensinar como é a vida!”...

E assim o chicote de couro lambia meu lombo arrancando pele e muito sangue, até que ela em sua raiva insana largou o chicote e pegou um cabo de vassoura feito de um galho de goiabeira e acabou me machucando muito e eu desmaiei... Não sei quanto tempo demorei a voltar, mas uma enfermeira muito carinhosa me acalmou enquanto tratava minhas feridas...

Uma semana de “molho” esperando as cicatrizes se formar e cessar as dores... Não podia voltar à escola... Eu queria muito, mas meus pais não deixavam... A saudade doía muito... Mas o mais dolorido era não saber o que minha amada tinha escrito naquele bilhete que ao final acabou alimentando meu sangue... Fazendo parte do meu ser... Ah! Se minha língua e meus dentes pudessem ler... Ou meu estômago, talvez...

Quando voltei à escola, as aulas já haviam terminado... Meu pai me deixou na porta da escola e saiu para resolver algo urgente e me fez esperar sozinho pelo diretor da escola com uma carta onde ele explicava que eu não poderia participar da festa de formatura e que era para ele me entregar o diploma de formatura...

Eu estava desesperado, muito triste, pois nunca mais veria a minha amada... O diretor demorou demais para chegar à escola... Meu pai voltou e disse que tinha que ir embora para a fazenda e que era para eu ir para a casa da minha avó e ficar lá até que ele tivesse um tempo para me buscar... Eu sabia muito bem ir da escola para a casa da minha avó, pois já havia feito esse caminho muitas vezes...

Enquanto esperava pelo diretor da escola, sentado em uma mesa da secretaria, a Tia Maria, que trabalhava na escola percebeu minhas cicatrizes quando levantei um pouco a camisa para diminuir a irritação do tecido sobre a pele dolorida... Sentou-se a meu lado e me perguntou o que havia acontecido...

Com muito carinho ela ouviu como toda minha história de amor havia terminado em tragédia... Pela primeira vez na vida eu chorei pela perda de um grande amor, o meu primeiro amor...

Enquanto enxugava as lágrimas eu vi a Tia Maria desaparecer pela porta da secretaria e voltar logo depois com um papelzinho com um nome e um endereço... Ela me disse: “Vai lá na casa dela e fala com ela! Aqui está o nome completo e o endereço dela.” Eu pulei no pescoço dela e lhe dei o mais puro beijo de agradecimento que alguém pode dar... Eu a vi enxugar as lágrimas e sair cambaleando pelo corredor afora...

Meu coração estava quase saindo pela boca! Acelerado ao extremo! Emoção à flor da pele! Finalmente eu conseguia sorrir... Olhava aquele nome e endereço com carinho e gravei imediatamente aquela informação... Não queria que ninguém mais visse aquele papel ou que ele se tornasse razão para mais uma sessão de pancadaria... Eu não aguentaria outra surra daquelas... Gravei os dados na memória e destruí o pequeno papel... Até hoje, quarenta e sete anos depois, ainda sei o nome dela e o endereço onde morava...

O diretor chegou, leu a carta do meu pai, desapareceu pela porta da diretoria e voltou algum tempo depois com um envelope fechado e mandou entregar para o meu pai...

Saí da escola em disparada, no mesmo ritmo que batia meu coração... Meus passos seguiam exatamente o compasso de suas batidas... Eu sabia onde era aquela rua, já havia passado por lá várias quando ia à Igreja São João aos domingos para a catequese e a missa dominical...

Um quarteirão antes da casa eu parei e com as mãos no joelho respirei fundo porque havia corrido uma grande distância... Acalmei meu sangue, me aproximei e bati palmas no portão da casa número 482 daquela rua... Um senhor de cabelos brancos e voz rouca gritou lá da porta: “O que você quer, moleque?” e eu respondi: “Preciso falar com a Cidinha!”. Ele respondeu: “Não tem ninguém aqui com esse nome.”. Aí eu falei o nome completo dela e um arrepio de emoção percorreu minha espinha... Ele respondeu: “Ah! Ela foi embora, não mora mais aqui!”. Em desespero total eu pedi que me desse o novo endereço dela e ele me disse que ia dar coisa nenhuma para mim... Bateu a porta na minha cara e desapareceu dentro da casa...

Me sentei na calçada... Chorei... Esbravejei... Xinguei... E bati palmas de novo na frente da casa disposto a dizer por que eu estava ali... Dessa vez uma senhora muito simpática veio até o portão e com voz doce me disse para ir embora, porque a Cidinha não morava mais ali e ela não podia dizer para onde ela tinha ido... Eu agradeci e fui embora.

Em lágrimas, fui para a casa da minha avó... Como eu já estava em férias e com o diploma do curso primário na mão, meu pai trouxe algumas roupas minhas e me deixou ficar lá por quase todo o período de férias.

Minha vida começou a evoluir lentamente, junto com um tio muito amado eu  comecei a trabalhar numa mercearia próxima à casa da minha avó e acabei passando uma boa temporada por lá, estudando o Curso Ginasial no Colégio Salesiano e trabalhando na mercearia...

Ainda voltei várias à casa onde minha amada morava, mas sempre recebia a mesma resposta... Até que um dia ao bater palmas no portão surgiu uma pessoa diferente que havia comprado a casa e aí eu me conformei, mas em toda minha vida, mesmo casado com filhos e netos, divorciado e no segundo casamento, nunca deixei de procurar pela Cidinha...

Com o passar dos anos, o relacionamento com meus pais se transformou completamente. Devido às muitas surras e espancamentos que sofri ao longo de minha vida, alimentei durante muito tempo um ódio insano por eles, mas depois do casamento com mais maturidade, melhor compreensão da vida, entendendo um pouco mais a drástica atitude deles e principalmente por me voltar totalmente à uma vida de práticas religiosas, eu alcancei o estágio da graça do perdão total.

Uma vez eu perguntei à minha mãe o que estava escrito naquele bilhete, mas ela me disse que por causa da idade, já não conseguia nem se lembrar da surra que me deu e nem do motivo...

Preciso desesperadamente saber o que ela escreveu naquele bilhete... Não quero morrer sem reencontrá-la e saber a verdade... Como ela está hoje? Onde vive? O que faz da vida?...

Esta história não termina aqui... Depois eu conto o final desta história...

Um carinhoso abraço e beijo a todos vocês!

Dermeval Neves

2 comentários:

Anônimo disse...

Linda história de amor, inocente e carregado de pureza. Muita sensibilidade. Grande emoção menininho.

Anônimo disse...

Estou esperando pelo final da história moço.Curiosidade em saber se a encontrou? Como ela está? Seu amor foi correspondido? Ahhh..linda história de amor puro e angelical.
No aguardo!
Até!